VISITANTES

Enfim

E quando o abismo derradeiro,
Fez-me acreditar que era companheiro,
Uma luz já há muito perdida surgiu.

Surgiu como espada em mão de guerreiro,
Deu golpe forte como sol de janeiro,
Rimou e fez do poema palavras sem bril.

E o que me importa se me foge a poesia,
Se me rebaixo a canção e melodia,
Se nos teus olhos, enfim, encontro inspiração?

MENSAGEM TELEGRAFADA

















Loló, solte o galo.

ESPERA, ARACI


















Espera, Araci. Espera o sol.
Espera a chuva, Araci, que ela
É tua amiga, tua saída,
Espera o peixe, esquece o anzol.

Espera na curva, amiga. Espera.
Espera com as mãos estendidas,
Espera a colcha que não seca,
Fecha os olhos, abre as mãos.

Quando amanheceres desiludida,
Quando te irritares a arruaça da cria,
Espera que a vida um dia te cega,
Levando-te pro mar sem fim.

Espera no barquinho, minha amiga, espera.
Espera que uma hora o vento te leva.
E quando de súbito deres por ti,
Não haverá espera, nem Araci, nem sol.

ESPETÁCULO DO NADA














Hoje eu acordei fora de mim,
Fora da costumeira sensação
de estar acordando para viver.

Mãos desistindo do tatear,
Narinas impregnadas de cheiro algum,
Olhos enevoados e serpenteando
por um quarto que não é meu.

Estou fora e não adentro.
Espio por horas o espetáculo
que me faz ser passado,
Onde a rotina me venceu.

HELENA E EU (Wilson Macêdo Jr.)



















Navegamos eu e Helena nesse barco rumo ao norte.
Navegamos cheios de esperança, ardor e paixão.
Eu e Helena, Helena eu e a alma da tarde nos perdemos,
E nos encontramos num só abraço enquanto o sol parte.

Durante a noite contamos segredos que naufragariam
Com nossos corpos. Mas agora somos o próprio segredo.
Somos Helena e eu um protesto contra o vazio da humanidade,
Somos uma bandeira vermelha navegando pelo amor, pelo esmo.

De manhã tomamos das nossas mãos e nos juramos união.
Será que somos desse carrasco mundo Helena e eu?
O sol responde com ares de comediante que ri de si mesmo.
Seremos eu e Helena uma piada de mau gosto e de salão?

Meu corpo é puro salitre, felicidade e uma explosão de cores.
Esse mar é tão grande quanto o futuro que nos espera adiante.
Somos mais que marinheiros trêmulos de primeira viagem,
Somos um sinal que tudo vai bem, que o mundo ainda gira.

Helena e eu nos espreguiçamos antes do trabalhoso almoço.
Seríamos capazes de viver apenas de som e tépida luz.
Navegamos com o olhar no horizonte tão perto e distante,
Ansiamos a chegada a uma ilha onde habitaremos até o fim.

A vela do barco balança e Helena se encanta com isso tudo.
Paro em seu sorriso como o mundo deveria parar o ver nascer uma flor.
Canta Helena uma canção das sereias ao passo que seguimos a todo vapor.
E o mar ainda nos é doce, calmo e desnudo.

Navegamos eu e essa criatura que brinca com a brisa.
E avistamos terra, avistamos uma imensidão verde.
E ao tocarmos os pés na areia ela e eu sorrimos.
Sorrimos Helena, eu e a nossa nova e tão esperada vida.

MULTIDÃO (Wilson Macêdo Jr.)



















Grande é o angustiante deserto das multidões.
Uníssonas são as vozes que definham minha sanidade,
Truculentos e suaves são os passos a pisarem no nó
que cerra minha garganta, e inflama meu respirar.

Há tanta gente, tanta mente a pensar nesse vão,
Há tantos gritos sangrando o meu ensurdecer,


Em lancinante medo e suor, chego a me esconder,
Chego a ouvir o disforme bater do meu coração.


CLARIVIDÊNCIA (Wilson Macêdo Jr.)
























Ah... Essa tal clarividência que me torna tão cruel,
Que me esculpe em argila podre já secular e morta,
Não faz  hoje de mim alguém que quis ser outrora.

Essa minha clarividência que mais parece idiotice,
Transformou-me em ruínas, um casarão empoeirado,
Que dia-a-dia desfaz-se até virar pó. Resto poetizado.

Maldita é minha sóbria visão das coisas, que tão docemente
Embriagada em rigor, tradição e fantasia rebelde,
Some nesse mundo onde os sonhos são parte do inconsciente.

Essa estridente clarividência que torna a manhã mais alva,
Leva a baixo as minhas intenções de voar rumo à brisa,
De olhar e reconhecer-me num rio e em sua correnteza calma.

Essa sobriedade disfarçada de retidão, cala-me a boca e o verso,
Cospe em minha cara e me faz lembrar quem realmente sou.
Esse ser maldito, malfadado, ultrapassado, decrépito.